Ao acompanharem a leitura em voz alta de um livro por um leitor mais experiente, as crianças têm acesso a textos que ainda não sabem ler, mas que se tornam possíveis pela voz do outro. Essa prática abre um espaço intersubjetivo entre o texto, o leitor e a criança. É pela voz do outro que a criança se sente atraída pela literatura e estimulada a conquistar autonomia para ler.
Para promover esse contato íntimo com o texto, o leitor precisa ir além da decodificação dos sinais gráficos, além da fluência para respeitar as unidades sintáticas do texto. Precisa abrir-se a uma experiência simbólica que se desdobra esteticamente em uma melodia, em uma sonoridade.
Uma tal experiência sensível só é possível com uma leitura expressiva, que mobiliza elementos prosódicos, como entonação (a velocidade, a altura e o volume), ênfase (o realce a palavras ou expressões) e ritmo (a alternância de tempos fortes e fracos para que a performance não fique monótona). Por essa razão, é que se sustenta que, sem uma intimidade profunda com o texto, não há como ler expressivamente. É retomando o texto várias vezes que se encontra a justa interpretação melódica capaz de comunicar os sentidos atribuídos a ele não só pela voz de quem lê, mas também pelo olhar, gestos e movimentos de quem escuta.
Com crianças em processo de alfabetização, a leitura em voz alta permite ainda aproximá-las da linguagem escrita, garantindo que se apropriem de algumas de suas características antes mesmo de compreenderem o que as marcas gráficas representam, como reconhecer diferentes gêneros, estruturas textuais, funções dos textos; familiarizar-se com as expressões mais elaboradas próprias da linguagem literária, formas típicas de como começam e terminam as histórias, associações que permitem, pela experiência com os livros, criar expectativas sobre o que vai ler.
Se pela voz do outro as crianças leem sem saber ler, para que se tornem efetivamente leitoras autônomas, é necessário que, no processo de alfabetização, tenham conhecimentos específicos sobre o sistema alfabético e as convenções da escrita.
Como desenvolver a fluência e a leitura expressiva nas crianças?
A escritora americana Lisa Papp, provavelmente, se inspirou para escrever Madeline Finn e Bonnie (Salamandra) no projeto “Book Buddies”, que convida crianças a lerem para gatos abandonados em um abrigo em Birdsboro (Pensilvânia, Estados Unidos).
Crianças que não têm fluência leitora, certamente, vão se identificar com Madeline que não gosta de ler em voz alta de jeito nenhum, porque as palavras se emaranham em sua boca. O problema da pequena só se resolve quando sua mãe decide levá-la até a biblioteca pública, onde a bibliotecária propõe a ela algo inusitado: ler para Bonnie, uma enorme cachorra branca.
Inspirando-se no livro, sugira que cada criança experimente treinar a leitura em voz alta para o seu de animal de estimação, ou mesmo para uma plateia de bichinhos de pelúcia.
Como foi o treino? Ficou mais divertido? Sua leitura melhorou: ficou mais fluente?
Para não expor as crianças que ainda não tenham fluência, proponha que gravem um áudio com a leitura do texto treinado. Após escutar a gravação com a criança, pergunte:
- Houve dificuldade para ler alguma palavra? Qual?
- Ocorreu alguma troca de palavra? Onde?
- Ao constatar um erro, você já foi capaz de se autocorrigir?
Para crianças que já leem com alguma fluência, mas ainda não o fazem com expressividade, proponha que, após a gravação, façam uma autoavaliação de seu trabalho:
- Variou a entonação, isto é, a velocidade, a altura e o volume de sua leitura?
- Realçou a leitura de palavras ou expressões relevantes do texto? Quais foram elas? Por que as escolheu?
- Procurou alternar os tempos fortes e fracos para que a leitura não ficasse monótona? Que pistas do texto você usou para variar o ritmo?
O desenvolvimento dessas capacidades pode se desdobrar em projetos mais ambiciosos como ler para crianças menores, gravar audiolivros, podcasts. Vai ser uma festa!
Cinco títulos para desenvolver a fluência e a leitura expressiva com crianças em fase de alfabetização
- GUEDES, Avelino. O sanduíche da Maricota. São Paulo: Moderna.
- BELINKY, Tatiana. O grande rabanete. São Paulo: Moderna.
- TAYLOR, Sean. Quando nasce um monstro. São Paulo: Salamandra.
- MACHADO, Ana Maria. Camilão, o comilão. São Paulo: Salamandra.
- PAMPLONA, Rosane. Era uma vez… três! Histórias de enrolar… São Paulo: Moderna.