Olá pessoal, espero que estejam bem! O tema deste mês é um tema, ao meu ver, ainda pouco discutido no âmbito educacional. Isso porque o Brasil tem uma cultura ainda muito eurocêntrica, ou seja, que baseia seu conhecimento, suas referências quase que exclusivamente no que foi e é produzido pelo continente europeu e seus desdobramentos.
Isso é percebido quando, por exemplo, quando ouvimos termos como ”levar tecnologia, levar conhecimento, levar educação” para regiões de povos tradicionais, originários ou povos periféricos, já que há uma ideia racista e preconceituosa que nestes espaços não há produção de saber e que por isso é preciso ” civilizar” aquele local.
Mas antes de continuar, você sabe o que são e quais são os povos originários?
Os povos originários são populações que se tornaram primeiros habitantes de um território, com forma de organização social e cultura exclusivas ao seu grupo. Aqui no Brasil, os povos originários são os indígenas brasileiros que habitam o país antes da chegada dos europeus.
Recentemente talvez você tenha escutado algumas notícias sobre o Marco Temporal.
Vamos a algumas importantes definições:
- Marco temporal é uma tese jurídica segundo a qual os povos indígenas teriam direito de ocupar apenas as terras que já ocupavam ou já disputavam em 5 de outubro de 1988, data de promulgação da Constituição.
- A tese surgiu em 2009, em parecer da Advocacia-Geral da União sobre a demarcação da reserva Raposa-Serra do Sol, em Roraima, quando esse critério foi usado.
- Em 2003, foi criada a Terra Indígena Ibirama-Laklãnõ, mas uma parte dela, ocupada pelos indígenas Xokleng e disputada por agricultores, está sendo requerida pelo governo de Santa Catarina no Supremo Tribunal Federal (STF).
- O argumento é que essa área, de aproximadamente 80 mil m², não estava ocupada em 5 de outubro de 1988.
- Os Xokleng, por sua vez, argumentam que a terra estava desocupada na ocasião porque eles haviam sido expulsos de lá.
- A decisão sobre o caso de Santa Catarina firmará o entendimento do STF para a validade ou não do marco temporal em todo o País, afetando mais de 80 casos semelhantes e mais de 300 processos de demarcação de terras indígenas que estão pendentes.
Fonte: Agência Câmara de Notícias
Mas porque isso é um problema? O que isso tem a ver com educação?
Acima compartilhei com vocês a definição de povos originários. Então, se um povo originário é aquele que chegou primeiro a um território, e não só chegou mas ali naquele território é onde se baseia e se constrói toda a cultura daquele povo, como pode quem chegou depois implementar um marco temporal dizendo que quem chegou depois de determinada data não tem direito aquele território?
Se há direito para povos originários, como seria possível falar em marco temporal?
Mas afinal, o que isso tem a ver com a educação, com a escola, com o exercício do educador, professores e professoras?
Este seria um tema somente das escolas indígenas? Definitivamente não. O problema é que há um enorme distanciamento daquilo que a sociedade conhece sobre os povos originários e isso reflete na escola e reflete no entendimento social sobre temas como este. Ainda se pauta o conhecimento sobre os povos indígenas no que se refere a: viverem em oca, usarem pena, usarem pouca ou nenhuma roupa…
Há uma superficialidade enorme sobre estes povos e temas como o marco temporal, que terá impacto crítico em toda a sociedade mas, principalmente para os povos indígenas, acabam ficando apartados do senso crítico da comunidade escolar.
Afinal, como tem sido o exercício deste tema (povos indígenas, culturas indígenas, histórias indígenas) em sua escola?
É tudo Índio
Esta frase pejorativa é usada muitas vezes para dizer que um grupo de pessoas é ignorante, mal educado ou desprovido de inteligência, dentre outras coisas. A própria palavra Índio é muitas vezes usada para dizer que ” é tudo igual, tudo uma coisa só”.
Só no Brasil, segundo o IBGE, há 274 línguas indígenas no país, 817.963 mil indígenas de 305 diferentes etnias…
Se usa roupa e celular não é Índio
Alguém também pensaria assim se um mineiro tomar chimarrão (isso transforma o mineiro em gaúcho?) ou se uma pessoa usar o cocar, faz dela uma pessoa indígena?
Criações e contribuições indígenas
Medicina, arquitetura e agricultura são algumas das áreas que foram e são como são por causa do conhecimento dos povos indígenas.
Diana Costa, coordenadora geral da Piraporiando, educadora social, pesquisadora e historiadora que desenvolve pesquisas e projetos no campo da educação patrimonial, ambiental, e história indígena, nos conta o que podemos e devemos aprender com os povos indígenas:
”Nunca mais um Brasil sem nós. Após 523 anos desde o início da invasão europeia ao continente Abya Yala (hoje América), as lideranças indígenas eleitas, representantes da bancada do cocar no Congresso Nacional brasileiro, ecoam as vozes de luta e resistência das mais de 305 etnias originárias desta terra que resistiram às tecnologias de morte do colonialismo.
Os estudos arqueológicos mais recentes, que analisaram os artefatos resgatados na região do Piauí, nos trazem indícios de uma ocupação humana a 100 mil anos do presente neste território. Ainda assim, em 134 anos de uma República Democrática instituída por meio de um golpe militar, as populações indígenas foram intencionalmente excluídas e exterminadas, relegadas ao passado, sem espaço de reconhecimento de seu legado ancestral para a formação social, cultural, política e econômica do Brasil.
Apesar disso, numa resistência histórica a escravidão e ao genocídio, os movimentos indígenas do Brasil assumem hoje o protagonismo no cenário global, junto aos movimentos negros, liderando a construção de novas perspectivas de futuros frente ao colapso civilizatório e ambiental que enfrentamos.
Esta proposta de reorganização do mundo chamada “bem viver” nos apresenta a possibilidade de construir uma nova experiência de sociedade fora da lógica do capitalismo/colonialismo e seu aporte ideológico. Nessa perspectiva, o resgate dos saberes ancestrais torna-se ponto de partida para um movimento de [re] construção dos sistemas sociais e de sociabilidade, subvertendo a lógica de dominação da natureza pelo homem, em prol de uma experiência emancipatória, promovendo o direito de todas as formas de vida a uma dinâmica de interação e convivência que respeita e valoriza as expressões de diversidade.
As diversas cosmovisões indígenas nos ensinam que o equilíbrio deste mundo visível depende do fortalecimento das relações de respeito que partem de mim para o meu eu e para a sociedade, se estendendo ao planeta e a todas as suas formas de vida. Este conhecimento está posto para o mundo há milhares de anos. Cabe a nós, que vivemos no agora, nos apropriar desses saberes com o compromisso de tornar possível a construção de um amanhã onde a morte e a destruição do planeta não sejam os imperativos cotidianos das sociedades humanas. ”
Como podemos perceber, há muito a aprender quando o tema são as culturas e saberes indígenas. Um olhar exotico e estereotipado sobre estes povos só alimenta a manutenção das violências e desigualdades e nós, educadores, temos o dever de, além de não alimentarmos estas práticas, sermos agentes de transformação, estudando, pesquisando e aplicando em nossos alunos e colegas ações educacionais que reconheçam o valor e importância das intelectualidades indígenas, sua história e suas construções em todos os campos.
Deixo aqui também a indicação de um rico e importante conteúdo apresentado pelo educador Gersen Baniwa, que fala de sua trajetória, dos desafios da educação indígena e de particularidades da cultura dos povos indígenas, como a corresponsabilização de toda comunidade no processo educacional de uma criança. Esta série de ensaios traz temas que disparam discussões urgentes no debate sobre educação pública.
E como vocês sabem…
Esta história não acaba nem aqui nem lá! Esta história tem muito para contar. E eu, que já estou indo embora, te encontro já já!!
Janine Rodrigues
Escritora, educadora e fundadora da Piraporiando